sexta-feira, 17 de abril de 2020

Em tempos de pandemia, miniconto da solidão ou a luta diária para não surtar (abr/2020)

Meu pai tem 84 anos e é alcoólatra. Desde criança lido com isso e, depois de adulta, já o levei a diversos médicos para tentar combater essa doença, mas não houve resultado. Já saí do trabalho algumas vezes para socorrê-lo e levá-lo às pressas para o hospital por causa do alcoolismo. Ele já caiu bêbado na rua e em casa algumas vezes e já quebrou alguns ossos: ombro, cotovelo, dedo das mãos, costela... Já briguei, gritei, chorei, implorei, conversei... nada deu certo. Por isso, hoje fazemos acordos. Ele bebe um pouco todos os dias, mas precisa se alimentar, precisa me ajudar cuidando de si mesmo para que eu possa estudar, trabalhar e cuidar dele também.
A única distração que ele tem é ir ao bar, ver os amigos... vai e volta várias vezes ao dia... nos intervalos, dorme e vê TV. As idas ao bar se tornaram pequenos momentos de felicidade na sua rotina. Como quase não paro em casa, não me sinto no direito nem com forças para tirar isso dele, por isso acabei cedendo, desistindo de lutar contra e optando por fazer acordos, embora nem sempre ele os cumpra.
Bem.. desde que começou o distanciamento social obrigatório, eu o proibi de sair e tenho comprado a bebida dele para conseguir controlá-lo, já que quando não bebe ele fica muito nervoso. Ontem eu comprei duas garrafas de rum. De ontem para hoje ele praticamente acabou com uma garrafa, então eu fui conversar com ele, pedir para pegar mais leve. Ele abaixou a cabeça triste e disse: Eu tô nervoso, Thaís. Não aguento mais ficar preso dentro de casa... nesse quarto.
Eu fiquei sem palavras. Depois disso, o que eu poderia dizer para ele? Eu também estou nervosa e triste com toda essa situação a que estamos submetidos. Fiquei pensando na atenção que estou dispensando a ele... no tempo que lhe estou dedicando nos intervalos entre gravar aula, fazer faxina, fazer comida, ficar desesperada com as notícias e tentar não surtar. Realmente ele tem passado muito tempo sozinho. Mas o que eu posso fazer? E que forças eu tenho para fazer algo agora?
Me lembrei da fala do novo ministro da saúde sobre o gasto de dinheiro público com idosos (Para bom entendedor... Para que tentar salvar idosos?). Me lembrei também da minha tia evangélica dizendo que eu estou matando meu pai aos poucos com álcool. Meus olhos se encheram de lágrimas, então olhei pra ele, que ainda se encontrava de cabeça baixa, e disse: Tá bem, pai. Vou colocar uma cerveja na geladeira para a gente tomar no jantar.

Em tempos de pandemia, miniconto da solidão ou a luta diária para não surtar (abr/2020)

Meu pai tem 84 anos e é alcoólatra. Desde criança lido com isso e, depois de adulta, já o levei a diversos médicos para tentar combater ess...