Thaís Costa
Setembro / 2010
Era noite. Eu estava no ponto de
ônibus em frente à UERJ. O ponto estava lotado, um menino sujo e mal-vestido
pedia dinheiro para “comer” – quem estuda ou estudou na UERJ sabe que o
verdadeiro motivo não era esse. Chega um rapazote, bem-vestido, cheirando bem,
ele fala algo para duas moças que estavam na minha frente. Não entendo o que
ele diz, mas vejo que as moças lhe dão um trocado.
Lá vem meu ônibus. A linha 457
sentido zona sul miraculosamente estava vazia. Boa parte das pessoas que
estavam no ponto entra no ônibus, inclusive o rapazote. Ouço-o dizer ao motorista que teve um problema
em casa, o gás havia estourado, e ele precisava chegar a algum lugar. Queria
carona. O motorista, irresoluto, pede que ele desça. Uma senhora que estava
atrás de mim se sensibiliza e completa a sua passagem. Ele passa pela roleta e
começa um ritual. Parece rezar. Faz o sinal da cruz várias vezes e, enfim, começa
a falar. Diz que precisa de R$ 5,60 para pagar uma passagem para São Gonçalo.
Ele queria pegar a linha São Gonçalo -Vila Isabel que passa exatamente do outro
lado da Rua São Francisco Xavier. Me pergunto o que ele faz num ônibus sentido
zona sul. Ele fala o nome de Deus algumas vezes, mostra uns papéis de igreja e
a cada trocado que recebe conta a quantia total em voz alta e diz quanto está
faltando. “R$ 4,40, diz o rapaz, falta só R$ 1,20, tenho fé em Deus que irei
conseguir. Ninguém é obrigado a me ajudar, continua ele, não quero oprimir
(sim, oprimir!!!) ninguém . Que Deus ajude
aqueles que me ajudaram e aqueles que não puderam ou não quiseram também”.
O motorista reclama. O rapaz
desce no Catumbi, não sem antes conseguir a quantia restante. Silêncio. Um
senhor de idade pergunta: “e aqui tem ônibus para São Gonçalo?”. “Isso é 171!,
responde o motorista, primeiro disse que o gás havia estourado e depois que
precisava ir para São Gonçalo. R$ 5, 00 é o preço do pó que ele quer consumir!”
Uma mocinha que havia ajudado o “drogado” (porque a esta altura já era um
drogado) se indigna, e uma discussão se inicia. Uma senhora argumenta que é
melhor ajudar um drogado para que ele possa usar sua droga em paz que deixá-lo
em crise de abstinência a ponto de fazer alguma maldade com alguém. Uma outra
mocinha diz que pior é dar o dinheiro e deixá-lo se drogar. Drogado, ele
perderia a noção das coisas e poderia fazer maldade com alguém, talvez até um
parente dela, para obter mais droga. Era uma questão de responsabilidade
social. Ouço muda a tudo isso. Mas na minha cabeça aquelas falas travam uma
verdadeira peleja.
Eu, particularmente, não gosto
de “ajudar” com dinheiro, prefiro oferecer comida, agasalho ou coisas do
gênero. Por isso, algumas vezes já fui até xingada por pedintes que só aceitam
“ajuda” se for em dinheiro. Por outro lado, conheço dois senhores de idade,
“moradores” de Ipanema, que não penso duas vezes antes de ajudar. Um deles é o
Coquinha. Coquinha dorme no ponto de ônibus da praça Gal. Osório, disse que
fugiu de casa porque sofria maus-tratos. Recebeu esse apelido porque é viciado
em refrigerante de coca. Não faz mal a ninguém. E só pede dinheiro para se
alimentar e comprar o seu santo refrigerante de todos os dias.
O outro senhor fica na R. Farme
de Amoedo. Ele ajuda as lojistas da região a abrirem as lojas em troca de café.
Antes das 7h ele já está de pé, encolhido no seu canto, carregando uma sacola,
onde devem estar todos os seus bens, e pedindo uma “ajuda” para tomar café.
Passo quase todos os dias por ele e fico a observar aquele homem, imaginando o
que aconteceu. Afinal de contas, como ele foi parar ali? Qual a sua história?
Qual a história de todos os pedintes?
Sempre tive vontade de ajudar
esse senhor, mas nunca estava com dinheiro à mão e, sempre atrasada, nunca
parei para procurar um trocado e ajudar. Hoje, o tempo estava chuvoso e frio.
Muito frio. Pela primeira vez, havia separado o dinheiro da passagem ainda em
casa e colocado no bolso. Avistei o senhor de longe. Ele tentou falar com um
rapaz, que o ignorou. Vi seu olhar de decepção. Quando passei por ele, não
hesitei, antes que abrisse a boca para dizer qualquer coisa, peguei o dinheiro
da minha passagem e lhe entreguei. O homem arregalou os olhos, parecia não
acreditar. Agradeceu algumas vezes com um sorriso sincero no rosto. Eu estava
atrasada, não parei, mas de longe fiz um sinal. Segui meu caminho sentindo-me
muito bem por ter ajudado. Mas todos esses acontecimentos me deixaram
incomodada. E nos dias que não ajudei esse senhor ou o Coquinha, o que
aconteceu? E os outros milhares de pedintes que existem no Rio de Janeiro e no
Brasil? De quem é a responsabilidade por eles? Quem pagará essa conta?