segunda-feira, 15 de maio de 2017

Sobre quando se nasce do lado errado da cidade (SET/2015)


Thaís Costa
Setembro/2015



11 anos. Domingo de sol, gangues de playboys lutadores de jiu-jitsu decidem fazer justiça na zona sul. 11 anos, morador de um prédio invadido após desativação no Caju, estava brincando. Na zona sul, arrastões aconteceram num domingo de sol. Absurdo.11 anos, a mãe empregada doméstica na zona sul, aquela, vivia preocupada com seu futuro. Na zona sul, onde a sua mãe era empregada, os moradores se revoltaram e, não aguentando mais tanta violência, resolveram tomar uma atitude. 11 anos, estava brincando na favela, jogava ping pong, R$0.80 no bolso para comprar uma bolinha, correu para comprar logo, voltar logo e brincar mais. Na zona sul, os playboys justiceiros atacaram ônibus, quebraram vidros, enquanto a polícia observava... eles só queriam justiça. No Caju, um menino de 11 anos, Herinaldo era o seu nome, corria feito louco num beco porque queria brincar. Na zona sul, os justiceiros diziam, se a polícia não faz nada, nós fazemos. E lá vinha correndo Herinaldo... tinha um sorriso no rosto, aquele que vemos no rosto das crianças quando elas, brincando, esquecem do mundo. No ônibus, pessoas desesperadas pulavam pelas janelas, outras entravam. Caos. O menino vinha armado com seu sorriso, pés descalços, sem camisa, R$ 0.80 centavos no bolso... um barulho e de repente algo o parou. O policial viu Herinaldo correndo. Se assustou. Atirou. Herinaldo parou de correr, parou de sorrir e voou para o céu. Virou história. Brincando, ele esquecera do mundo. E agora o mundo se esquecerá dele tb. Mais um que podia ser e não foi. Fim.


A notícia sobre Herinaldo pode ser lida em: 

Dia dos professores (OUT/2010)


Thaís Costa
Outubro/2010

É dia dos professores... o meu terceiro dia dos professores... e tento procurar um motivo para comemorar. Hoje fiquei sabendo que mais duas pessoas que se formaram comigo resolveram abandonar a profissão... mais duas... menos duas...
Nas salas dos professores das escolas onde trabalho, o assunto sempre são os alunos e como está difícil e, muitas vezes, insuportável dar aula. Nós lidamos com alunos mal-educados, carentes, rebeldes, drogados, com problemas psicológicos, envolvidos na criminalidade... e todas essas especificidades juntas numa sala de 40 alunos ou mais. Vemos pais nos cobrarem uma atitude e dizerem que não sabem mais o que fazer com os filhos... vemos pais que não querem saber dos filhos ou que acham que querer saber deles é sinônimo de passar a mão sobre suas cabeças sempre que fizerem algo de errado... vemos pais cegos, que acham que os filhos são santos e que a escola os discrimina... Vemos tantas coisas... Vemos a crueldade e a violência de alguns alunos para com outros alunos e para com os professores; vemos também a banalização do palavrão e do sexo em sala de aula; vemos a vulgarização das meninas e a banditização dos meninos, que muitas vezes nem fazem nada de errado, mas falam e têm atitudes como de bandidos, porque estes são os seus ídolos. Vemos tanta coisa, Meu Deus! E todos os dias nos perguntamos: o que estamos fazendo aqui? Para que tentar dar educação a quem não a deseja, a quem vê o professor como o inimigo a ser combatido, e não como alguém que está ali para orientá-lo? Essa guerra muitas vezes parece tão injusta... são 40, 50 alunos contra um professor em sala de aula.
O que mudou nos últimos anos? Na minha época de aluna não era assim... nunca fui santa, nem uma múmia em sala de aula, mas respeitava meus professores e sempre tive prazer em estudar. Por isso quis ser professora, porque achava que era na sala de aula que eu poderia fazer diferença. Mas que diferença eu estou fazendo hoje se, muitas vezes, me pego pensando: Droga! Tenho que ir dar aula para aquela turma! O que eu posso fazer por eles se eu mesma não quero estar ali?
É claro que nem todas as turmas me fazem sentir assim... mas são exceções, infelizmente. Há alunos carinhosos, há alunos curiosos, há alunos com fome de saber... esses alunos me fazem continuar, me fazem acreditar que ainda é possível mudar essa situação, mas não posso negar que, mesmo nesses momentos, tenho me perguntado: Será?
Enfim, aos meus companheiros de labuta, um bom dia dos professores (ainda que atrasado), que consigamos repensar nossa prática de modo que possamos chegar a esses alunos que ainda nos vêem como inimigos para que, de fato, façamos alguma diferença!

QUEM PAGA A CONTA? (SET/2010)


Thaís Costa
Setembro / 2010

Era noite. Eu estava no ponto de ônibus em frente à UERJ. O ponto estava lotado, um menino sujo e mal-vestido pedia dinheiro para “comer” – quem estuda ou estudou na UERJ sabe que o verdadeiro motivo não era esse. Chega um rapazote, bem-vestido, cheirando bem, ele fala algo para duas moças que estavam na minha frente. Não entendo o que ele diz, mas vejo que as moças lhe dão um trocado.
Lá vem meu ônibus. A linha 457 sentido zona sul miraculosamente estava vazia. Boa parte das pessoas que estavam no ponto entra no ônibus, inclusive o rapazote.  Ouço-o dizer ao motorista que teve um problema em casa, o gás havia estourado, e ele precisava chegar a algum lugar. Queria carona. O motorista, irresoluto, pede que ele desça. Uma senhora que estava atrás de mim se sensibiliza e completa a sua passagem. Ele passa pela roleta e começa um ritual. Parece rezar. Faz o sinal da cruz várias vezes e, enfim, começa a falar. Diz que precisa de R$ 5,60 para pagar uma passagem para São Gonçalo. Ele queria pegar a linha São Gonçalo -Vila Isabel que passa exatamente do outro lado da Rua São Francisco Xavier. Me pergunto o que ele faz num ônibus sentido zona sul. Ele fala o nome de Deus algumas vezes, mostra uns papéis de igreja e a cada trocado que recebe conta a quantia total em voz alta e diz quanto está faltando. “R$ 4,40, diz o rapaz, falta só R$ 1,20, tenho fé em Deus que irei conseguir. Ninguém é obrigado a me ajudar, continua ele, não quero oprimir (sim, oprimir!!!) ninguém . Que Deus  ajude aqueles que me ajudaram e aqueles que não puderam ou não quiseram também”.
O motorista reclama. O rapaz desce no Catumbi, não sem antes conseguir a quantia restante. Silêncio. Um senhor de idade pergunta: “e aqui tem ônibus para São Gonçalo?”. “Isso é 171!, responde o motorista, primeiro disse que o gás havia estourado e depois que precisava ir para São Gonçalo. R$ 5, 00 é o preço do pó que ele quer consumir!” Uma mocinha que havia ajudado o “drogado” (porque a esta altura já era um drogado) se indigna, e uma discussão se inicia. Uma senhora argumenta que é melhor ajudar um drogado para que ele possa usar sua droga em paz que deixá-lo em crise de abstinência a ponto de fazer alguma maldade com alguém. Uma outra mocinha diz que pior é dar o dinheiro e deixá-lo se drogar. Drogado, ele perderia a noção das coisas e poderia fazer maldade com alguém, talvez até um parente dela, para obter mais droga. Era uma questão de responsabilidade social. Ouço muda a tudo isso. Mas na minha cabeça aquelas falas travam uma verdadeira peleja.
Eu, particularmente, não gosto de “ajudar” com dinheiro, prefiro oferecer comida, agasalho ou coisas do gênero. Por isso, algumas vezes já fui até xingada por pedintes que só aceitam “ajuda” se for em dinheiro. Por outro lado, conheço dois senhores de idade, “moradores” de Ipanema, que não penso duas vezes antes de ajudar. Um deles é o Coquinha. Coquinha dorme no ponto de ônibus da praça Gal. Osório, disse que fugiu de casa porque sofria maus-tratos. Recebeu esse apelido porque é viciado em refrigerante de coca. Não faz mal a ninguém. E só pede dinheiro para se alimentar e comprar o seu santo refrigerante de todos os dias.
O outro senhor fica na R. Farme de Amoedo. Ele ajuda as lojistas da região a abrirem as lojas em troca de café. Antes das 7h ele já está de pé, encolhido no seu canto, carregando uma sacola, onde devem estar todos os seus bens, e pedindo uma “ajuda” para tomar café. Passo quase todos os dias por ele e fico a observar aquele homem, imaginando o que aconteceu. Afinal de contas, como ele foi parar ali? Qual a sua história? Qual a história de todos os pedintes?
Sempre tive vontade de ajudar esse senhor, mas nunca estava com dinheiro à mão e, sempre atrasada, nunca parei para procurar um trocado e ajudar. Hoje, o tempo estava chuvoso e frio. Muito frio. Pela primeira vez, havia separado o dinheiro da passagem ainda em casa e colocado no bolso. Avistei o senhor de longe. Ele tentou falar com um rapaz, que o ignorou. Vi seu olhar de decepção. Quando passei por ele, não hesitei, antes que abrisse a boca para dizer qualquer coisa, peguei o dinheiro da minha passagem e lhe entreguei. O homem arregalou os olhos, parecia não acreditar. Agradeceu algumas vezes com um sorriso sincero no rosto. Eu estava atrasada, não parei, mas de longe fiz um sinal. Segui meu caminho sentindo-me muito bem por ter ajudado. Mas todos esses acontecimentos me deixaram incomodada. E nos dias que não ajudei esse senhor ou o Coquinha, o que aconteceu? E os outros milhares de pedintes que existem no Rio de Janeiro e no Brasil? De quem é a responsabilidade por eles? Quem pagará essa conta?

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Meu pai tem 84 anos e é alcoólatra. Desde criança lido com isso e, depois de adulta, já o levei a diversos médicos para tentar combater ess...